quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A transgressão dos limites

A torre de Babel
O despertar do espirito e’ o reino dos nomes
Hegel

Limites
Se os limites da terra, das cidades, dos campos e plantações, dos comportamentos e dos mandamentos, foram impostos por Deus aos homens, quando deixados, por suas contas, dispersos em muitas terras e lugares, a tentativa de sua ultrapassagem passou por uma nova edificação, uma cidade e torre de Babel, quando,  “ construamos uma torre…  para que não sejamos espalhados por toda a terra”.
Mas Deus os separou, construtores das plataformas, multiplicou, sem conversa, as línguas pela superfície de toda a terra, e garantiu a sua promessa e acordo para um so’ povo e um só lugar, Israel, para um único livro, uma solitária cidade, jerusalém e as suas muitas interpretações.

E se ainda se podia acreditar que o ponto de vista para admirar o mundo poderia ser único, central e abrangente, poderoso na sua posição superior e na sua univocidade, após a dispersão por ordem divina “fica claro que e’ o homem quem perfaz a experiência da eclosão, da ruptura e da diferença, sendo os pontos de vista sobre o universo tao numerosos quanto  forem a multiplicidade de olhares”.

Depois dessa quebra, desta fratura, nada sera mais dado como inteiro, e “ toda a criação sera perturbada pela dispersão da luz divina”, comenta Scholem, rompidos os vasos que a continham, e todo o universo estará sempre em exílio, e tudo que ocorre no mundo tornara’-se-a a expressão deste exílio, o primeiro e o primordial.
Nesta separação permanente, a memória e e rememoração se tornam o campo privilegiado de disputa, onde se efetuam duas operações de sentido contrarias : “o esquecimento, … um dispositivo de luta contra o passado, e o vestígio, que e’ o retorno do esquecido, ou seja, uma ação desse passado daqui em diante forcado ao disfarce” , diz Michel de Certeau, um passado como o fantasma de Hamlet, que “ assombra o presente”. 
Um presente assombrado por este resto excluído, do retorno do recalcado, que vencendo o esquecimento, forja esta resistência que se inscreve como sintoma do passado no presente, superando o desejo do historiador e da historiografia de “ instaurar um corte entre o passado como objeto de conhecimento  e o presente como lugar do acontecimento onde são elaboradas as representações do passado.” , conclui Marc Auge’.

Ja’ para Halbwachs, a imagem das coisas participa da própria inércia destas, da inércia das marcas impostas e fixadas no tempo, pelos grupos humanos, impressos ao espaço, `a forma e `a matéria, quando“ sera' no contraste entre a impassividade das pedras e o tumulto no qual se encontram que os persuade, aos homens, que apesar de tudo nada esta perdido, já’ que as paredes e as casas continuam de pe’.” 

Mesmo que estranhas, estas marcas e riscos, `a nossas muitas agitações quotidianas, mundanas, fornecem uma sensação de ordem, continuidade e permanência, e uma maneira de  espreitar uma pequena passagem através da imposta dispersão. 
Neste estreito caminho, apenas descortinado, surge a oportunidade de reencontrar a ordem original das coisas, a fim de “ reunir as centelhas do divino espalhadas pelo mundo”, resultadas da auto restrição, de um recolhimento do eterno sobre si mesmo, e assim reservando um lugar na totalidade, `a humanidade.

Mas de que modo a memória pode tornar-se linguagem, pergunta Agamben, dando, assim existência a consciência?
Neste esforço, centrado ou desviado, nos encontramos, nos deparamos com as inúmeras fraturas nos limites do cosmos, incapazes os humanos de superarem a sua própria finitude, sua reduzida escala e dimensão, inerentes a subordinação e a pequenez ao projeto da criação divina.

Imaginamos, em momentos, movidos pela ambição e pelo gozo, sermos capazes de constituir uma outra ordem, lançadas ao chão os originais alicerces e os gostos, gestos da polidez e encanto. Levantamos as vozes, fortes pensamos, autônomos, criados por nós mesmos, orgulhosos, vazando a vaidade e o prematuro orgasmo, esquecidos da sombra do mal, quando destapados os vasos guardados, ocupam com suas armas e violência primitiva e dilaceram os corpos e peles, quebram os espíritos e as sutis delicadezas.

Mergulhemos em sangue alheio a pena de nossas irritações e ódios, sem avaliar os riscos e o peso sobre a matéria e o espi'rito.

editado 20/06/2015






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