segunda-feira, 4 de julho de 2011

Na matéria das pedras


Nas cidades, há uma convivência de duas séries, do presente e do passado, onde as  coisas habitam simultaneamente as duas. 
Eduardo Gruner, em uma leitura de Walter Benjamin, diz: La arquitectura es el arte que más intensas y dramáticamente conserva la memória arcaica de las necessidades primarias de la espécie”. Para ele, a arquitetura é o lugar onde se desnuda a contradição, onde se expõem os conflitos entre os desejos  arcaicos da humanidade, o desejo de reconciliação entre a natureza e o mundo e a realidade da alienação capitalista, do fetichismo da mercadoria, onde “ da impossibilidade do cumprimento cabal desta promessa de reconciliação”. 
Na arquitetura e na cidade, em ruínas superpostas, não basta a presença de uma memória cri'tica, mas é necessário um choque, “um curto circuito com a infelicidade do presente”, para a constituição da memória antecipada do futuro redimido. E' preciso uma memória que desperte a nostalgia do que nunca existiu e a projete em direção a uma redenção futura através de uma mimesis transubjetiva.
Em algum momento, os objetos arquitetônicos participaram da feitura de um tempo, abrigaram eventos, práticas, prazeres e dores, imprimiram em seus muros valores e significados de uma época e de uma cultura. O que continua, o que resta, tentando informar um sentido cósmico à natureza e à phisis, à cultura e arte, o que resta do que se esvai e se abre, se esconde ao compartilhamento, à tradução, à tradição, estão suportados em registros construídos, para serem desvelados, em sua aparência quotidiana, nas cidades, nas suas sombras e luzes, aos futuros ocupantes. 
Ali, impressos na matéria das pedras e na ordem da formas, retém-se, para a interpretação e potencia, acumuladas por décadas e séculos, uma massa de informação, onde a superposição histórica foi as misturando, contíguas e superpostas, que ao primeiro olhar, curioso de possuí-las e organizá-las se segue imediatamente uma sensação de desconforto e desanimo. 
Como se não fosse possível desvencilhar os fios e tramas que as compuseram, ou, que quando possível, apenas se apresentasse à contemplação e`a leitura um texto ininteligível que nenhum código, por mais complexo ou universal, fosse capaz de recuperar parte ou a totalidade de seus sentidos originais.