sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Democracia

Romper os limites e o mal estar na democracia, na forma que hoje se constitui, exige uma opcao pela política, lugar da liberdade, de um modo nao destrutivo, no limite do sofrimento humano, no limite extremo do conflito, onde nas divergências, se busque os convencimentos, se exponham as partes, suas necessidades e subjetividades. 
Talvez agora, uma democracia sem mais centros, mas capaz de acordar um fim, que seja  o florescimento das personalidades livres no espaço coletivo, orientado a uma felicidade publica, onde “ através da lembrança e do reconhecimento da historia, criticando-a para supera-la, a democracia pode coincidir com a política como livre organização da esperança” 

Carlo Galli

espirito santo.A cultura da violência

Escrevi a mais de dois anos, e infelizmente..

Parece evidente que tenha de haver figuras indesejadas nos quais se concentra o desgosto, o desentendimento, como o resíduo que a vida deixa para trás. Subitamente, o que nao esta certo. o que ‘e supérfluo e nao satisfaz o espirito, parece formar aquele ódio que paira no ar entre todas as criaturas, ... e que substitui a falta de alegria com a ação pela raiva fácil diante da atividade dos outros.
O mundo nao perdeu apenas Deus, perdeu também o diabo.
O homem sem qualidades
Robert Musil

Os dados publicados de homicídios no espirito santo, principalmente contra mulheres, nos exigem pensar quais as condições que uma tal situação chega a se instalar no estado e a dificuldade de avaliar eventuais e possíveis causas geradoras de tais macabros números.
Se conforme comparação com os dados de violência contra a mulher, de renda e pib com o estado do Piauí, nao e’ o nível de renda ou escolaridade uma causa que define esta marca, quais outros dados podem ser utilizados como instrumento de analise e aferição deste macabro resultado?
As atuais manifestações de racismos e machismos, os muitos assassinatos de mulheres, podem nos dar uma pista?
Ou sera' que a composição populacional, fruto da imigração europeia,  a historia de sua ocupação rural, da violência original contra os índios e negros escravos, o desprezo com  a natureza, que contenham os elementos, os germes desta presença?

O ódio destilado nas publicações das redes sociais me atingem como socos no estômago. Jovens arquitetos, que ajudei a formar, escrevem textos tao agressivos e prenhes de raiva, que independentemente de valores éticos e ideológicos, que assumiram nas suas vidas profissionais, assustam pela virulência e o desejo de morte expressos nas suas falas e afirmações.
Jovens, cegos pela lógica pequena burguesa, despejam em suas paginas, afirmações e criticas genéricas, `a pessoas, `a instituições e grupos sociais, que no limite, como acusadores e julgadores, nao  ouvem  qualquer contestação e com os sangue nas maos, nao conseguem imaginar nada mais que penas capitais aos outros que nao compartilhem de suas superficiais convicções.
Incapazes de entender as mudanças globais, positivas ou negativas, `as explosões de fundamentalismos, `a insegurança dos incertos futuros, apaixonam-se com a fe’ cega, no grito primal das multidões  ou na fala autoritária de lideres conservadores, confiantes numa segurança idealizada, neo liberal ou estatista.  Quase fascista.    

A concentração do ódio, uma ma’ vontade contra grupos oiu individuos, que concentram em cada momento histórico, a culpa, a insatisfação e a raiva, sendo responsabilizados por todos os males reais ou inventados, tem sido um procedimento repetitivo da humanidade, quer sejam contra os judeus, as bruxas e os feiticeiros, os comunistas ou banqueiros, contra os outros, imigrantes e estrangeiros, negros e pobres a quem se busca localizar e imputar a origem de todos os males da civilização, normalmente quando em decadência moral e intelectual. 
Conclui Musil, ” A velha crença nos demônios, que responsabilizava espíritos celestiais ou infernais, por todo bem ou mal, trabalhava melhor, com mais precisão, de maneira mais limpa”  e sem duvida, talvez com menos violência, guerras, mortes, agressões e ódios.

Superar um pesadelo, da angustia da aniquilação, do apocalipse do mal e da ruína, onde reina a desordem, onde” Nao ha sinceridade, nem piedade, nem conhecimento de Deus na Terra”, Oseias 4,1, poderá’ se fazer  na restauração da realidade e da justica, quando serao concedidos “ julgamentos imparciais a estrangeiros e homens locais, e quando nao se desviam daquilo que e’ justo,  a cidade floresce e o povo prospera”? 
Hesiodo 
11.03.14

sábado, 16 de novembro de 2013

Verdade e esquecimento.


 Na verdade, não há verdade sem esquecimento.
 Lethe quando não é' a escuridão espessa, " e' a sombra, a sombra que delimita a luz, a sombra de Alethea”.
Não há Alethea, verdade, sem que uma parte do esquecimento se manifeste, através do canto das musas, que ao dizerem a verdade trazem ao mesmo tempo, em simultâneo " o esquecimento das desditas, a trégua dos cuidados". Hesiodo. 
Invadido pela sombra da perda da memoria, o mortal escapa ao tempo cotidiano, aos instantes das misérias e das preocupações, e o que e' como uma doce lembrança para o poeta e’ um esquivo esquecimento para outros, quando, no momento, que se leva a palavra, os homens se afastam do que a vida traz de terrores.
Escapam de seus limites, de suas perdas e múltiplas imprecisões.
No mundo invisível, no mundo inferior do mortos, onde o espirito e’ submerso pelas aguas do abandono, alguns, como o adivinho Tiresias, tem o privilegio de guardar tudo de memória, possuem para si um status ambíguo, que revela e esconde, como um autista mensageiro, que diz, “ falo daqueles que sabem, quanto aos outros, esqueço de propósito.” Esquilo


novembro/13
abril/15

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Melhores


Esquilo...
responda-me, porque devo admirar um poeta?
Eurípides...
Por sua inteligência e seus conselhos, 
e porque faremos melhores aos homens nas cidades.

Aristofanes

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Doce odor


Acabado o prazo de validade, no limite último da finitude material e humana, nas nossas cidades e vilas, edifícios e lugares tentam se manter vivos, escorados, ameaçados pelos desejos de novos projetos, fragilizados diante dos inexoráveis pesos e forças do destino.
Suportaremos os seus tristes fins, seus lentos desgastes e desmoronamentos, verteremos furtivas lágrimas sobre suas ruínas, e encerrados os atos expiatórios, perderemos definitivamente suas memórias e passados?
Deixemos-nos  levar, como o rio que nunca mais retorna, de água e fluxo, ao mesmo ponto e margem, que nunca mais passara’ sob os arcos da mesma ponte de pedra, ou quando retesado o braço, esticaremos o arco a tempo, lançada a flecha contra os fragmentos entulhados, ocupados ao denso olhar.
Circulamos, então, aliviados, com prazeres melancólicos, nas suas ruas e becos históricos, aspirando, casa após casa, o doce odor das trepadeiras e glicínias, dos acontecimentos e da salvação, debruçadas seus galhos e espinhos no profundo recorte do tempo.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

A gloria de Aquiles


Façamos entao a determinada e inevitável guerra.
Levantemos com  fortes bracos os escudos das resistências veladas, gravados a cinzel os momentos familiares, lembranças abandonadas. 
Um viagem sem volta para uns, uma longa e perigosa jornada para outros, uma jornada de retorno ou de permanencia.
Navegar na direção da nova cidade, riscados no sitio seus limites, os recortes das muralhas e do amor.
E do império, obrigados pelo destino, necessidade e pelo mito, expandimos seus limites, explodimos suas fronteiras, deixados submissos os estrangeiros e os irmaos, esmagados suas resistências e desejos de harmonia.

Se fico combatendo aqui em torno da cidade de Tróia nao terei mais volta; em compensação, uma gloria imperecível me espera. Se volto, ao contrario, para a terra da minha pátria, nao terei mais gloria; uma longa vida, em compensação,  esta reservada para mim e a morte que tudo termina nao conseguira me atingir por muito tempo.
Ilíada, IX, 411-416

sábado, 1 de junho de 2013

quinta-feira, 7 de março de 2013

Acontecimento


O q esqueci, tão rápido q já nem sei o motivo e o gesto, se original ou repetido?
Acho que esqueci o milagre que do abismo irrompe ao horizonte,`a luz, quando a ação inesperada, política, impossível, rompe a casca do ovo.
Me esqueci da perda.

No evento, onde se encandeiam os elementos do acontecimento, brilha o sentido.
Hannah Arendt, In Diario filosófico

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A cólera de Aquiles


Cante, deusa, da ira, do filho de Peleu, Aquiles,
a amaldiçoada ira, que trouxe dor a milhares dos aqueus.
Ilíada, Homero,canto 1



Mas o que movimenta, agita e destrói esta raiva, uma cólera de origem, que do infinito presente já e’ feita e dita maldita, que ao primeiro movimento divide ao meio a alma e alarma o espirito, sangrados diante do sofrimento e da dor, diante da perda e da mortalidade, na ambígua duvida, determinada de começo, na dura escolha entre a a gloria imortal na batalha e a banal e insatisfatória satisfação na labuta cotidiana?  
E a fala, qual a linguagem que sustenta o dia e depois o outro, consegue e ultrapassa o momento e a parte em cada instante, que faz descrever/ reviver a luta infinita, o embate sem tréguas onde deuses e homens negociaram, em combates e desejos, suas paixões e destinos imortais?
Levantemos nossas taças em saudação, expomos nossos assombros, refletimos contra os olhos, os brilhos, cristais e homenagens, para erguer, de pé, este brinde 
....
Solitude, recife, estrela
A não importa o que há no fim de
um branco afã de nossa vela.

( Mallarme’)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O esquecimento. pó e leveza.



Há um exercício de esquecimento permanente na maneira que as coisas vão se acabando lentamente, se desmanchando ponto a ponto nas cidades, em Vitória, deixando em pó e areia os objetos, as casas e os acontecimentos, que ao menor sopro do vento se dissolvem no ar e na maresia junto ao canal do porto. 
Seria insuportável manter vivo cada registro, acumulando-se em camadas, pousando suas marcas, a cada dia, a cada hora, sobre as fachadas e pisos, grudando-se à cada instante e outro e mais, imprimindo sem fim, nas pedras superpostas, tanta informação, que o risco do corte inicial desaparece soterrado sob esta massa de dados pegajosa e macia que ao apertar dos dedos deixa sujar as mãos de uma lama escura sem sentido e sem definição.
Bom as coisas que viram pó e leveza. Levemente desgrudam-se de seus suportes e volteiam pelos ares não se juntando a nada, não se agrupando em novas formas, deixando-se levar desgarradas até que nem o brilho do sol consiga mais captar as suas desaparições definitivas no final da tarde, quando as sombras ombreiam contra as montanhas e os sobrados da velha cidade.
2002/2013

POLÍTICA E MEMÓRIA


"Mamãe, as outras cidades têm uma lua tão grande como a nossa?" 
século  III

Isto é o político para o Ateniense: a política é fazer como se nada tivesse acontecido. Como se nada antes se tivesse produzido: nem o conflito, nem o assassinato, nem o ódio. O político e’ a promoção do esquecimento (lethe) como o fundamento da vida em cidade, tirando do ódio e da vingança o seu caráter eterno. 
Na impossibilidade de esquecer verdadeiramente, é preciso esquecer pelas palavras para impedir a memória dos males. O sujeito não se priva da memória, ele se proíbe lembrar o que é para esquecer. Para que haja laço possível, vínculo possível, vivência-com, a memória e’ proibida, nao deixada esquecida, mas deixada na espera, na guarda, no arquivo.
E aí está a delicadeza de uma concepção do social: o laço tênue que depende de uma forma de esquecimento.
Representado mais do que efetivamente consumado.