domingo, 25 de setembro de 2011

Memória e esquecimento.



Aqui tudo é exposto
Evidente
cintilante. Aqui
obrigam-me a nascer de novo, desarmado. “
Carlos Drummond de Andrade

Na obra de Marcel Proust a poética do esquecimento e’ ao mesmo tempo uma poética da lembrança, uma poética de lembrar surgida do fundo de esquecer. Assim  sempre e’ preciso uma “ dosagem exata de memória e esquecimento” para que a pessoa tenha o dom da lembrança, para que se arme, se estruture uma memória poética.
Mas, “ Só quando o esquecimento perdurou um tempo suficiente e se tornou bastante profundo, a memória involuntária pode agir e trazer  fundo desse abismo do esquecimento, sem o controle de parte da razão e da forca da vontade,…(re) fazendo um processo que se origina “ Da memória banal voluntária pelo esquecimento profundo e duradouro ate a memória poética involuntária…, se transformando como o novo e para a constituição de “ uma faculdade que serve muito bem `a vida.”
A memória poética,“ Ela cura dos medos do tempo e da morte e traz felicidade aos seres humanos que a ela se confiam.”
Seremos assim capazes de nos reconciliar, com o todo, com o não dito, com o perdido paraíso, onde segundo Dante :
A partir de agora minha visão era ainda maior
Do que nossa linguagem que não estava `a altura,
E a memória cede lugar ao inaudito.

Onde abandonado o esquecimento, abandonadas a escravidão e a dor, possamos nos reencontrar com a aliança e com o acordo original com a divindade:
Será, pois, que, quando o SENHOR teu Deus te tiver dado repouso de todos os teus inimigos em redor, na terra que o SENHOR teu Deus te dá por herança, para possuí-la, ......; não te esqueças.
Não esqueças o Senhor que te tirou do Egito, da escravidão.
DEUT 25, 19

Neste momento, possamos cumprir dever maior da memória, de ao lembrar fazer justiça, testemunhar para o que foram calados, cujas historias foram esquecidas, enterradas as suas ruínas e eventos, pois segundo Aristóteles:
O dever da memória e da herança e’ o dever de fazer justiça, pela lembrança, a um outro que não a si.”
Somos devedores aos que nos precederam, uma divida que não se limita a guarda e preservação dos seus rastros e partes sobreviventes, do duro material ou ao leve escrito, mas a um sentimento de dever aos outros, de submeter a herança a um inventario, com uma prioridade moral `as vitimas, outras que não foram no’s.

Na Lisboa de Fernando Pessoa:
Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa com suas casas
De várias cores.

e na triste mas esperançosa poesia de Cesário Verde:
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer

E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés de fel como um sinistro mar!