domingo, 25 de novembro de 2012

A brisa sopra


Os navios no cais. A brisa sopra”. Desde a primeira página e por todo o romance de Amilton de Almeida, a narração dos acontecimentos extraordinários e fatos comuns do cotidiano, das lembranças e descrições da cidade de Vitória, talvez a personagem principal do romance Blissful Agony, são pontuados com estas afirmações: A brisa sopra ou o vento sopra enquanto os navios estrangeiros, sempre iguais e sempre diferentes, em suas cores e calados, permanecem ancorados no cais do porto, ao lado da cidade. São os agentes de estranhamento, o vento ou a brisa, os cheiros, os ruídos e emoções que elas carregam com os encantamentos que difundem novidades e persistências, que invadem as casas e ruas de Vitória, empurrando os galhos da pitangueira, repetidamente, de encontro ao portão. O vento que empurra os chapéus levanta a poeira e vai aumentando a intensidade até que “ele não será mais ouvido”; a brisa que sopra em setembro e também no dia 17 de janeiro, quando, então, “invade todos os corredores, quando traz para as ruas” o cheiro do mofo”, até que em certos dias de final de outono, “o cheiro das flores junta-se ao cheiro da cidade lavada no sábado de manhã”. 
O vento e a brisa, em cada tempo do romance, em cada dia de sua cronologia fantástica, agem como os elementos adicionadores de qualidades e sentidos imediatos à cidade física material, cujas alterações aparecem tão lentas no repetido quotidiano, que mal percebemos, nós, os seus moradores, as pequenas mudanças que vão carregando para longe os nossos casos, desmanchando as nossas lembranças e as esperanças. 
Segundo a apresentação crítica do romance por Reinaldo Santos Neves:“ Ë uma cidade inteira que identifico aqui como personagem central, expostas em detalhe na cruciante tentativa de seguir vivendo o destino terrível de cidade infame, e nem por isso menos digna de ser amada sobre todas as outras.”
. Uma cidade onde a manga que cai e o vento que sopra, é a mesma manga e é o mesmo vento que jamais caíram e jamais sopraram e que ainda, no futuro, vão cair e soprar “enquanto mundo for mundo”. São elas, as frutas e as brisas, que aqui amadurecem e caem, e aqui sopram e circulam, como também caem e também sopram em cada parte e todo lugar amado do mundo, no centro e na periferia, submetidos ambos, à fortuna e aos imprevistos dos múltiplos acontecimentos e das suas copiosas falas.
Este é o instante que a Praça Costa Pereira se encontra deserta para sempre. Longe, muito longe daqui, o vento sopra. Este é o instante em que nada mais a ser dito. Observe. Este é o instante em que ouve o coração do mundo. Este é o instante em que o vento sopra, invadindo a cidade seus quatro postos cardeais. Observe. Este é o instante em que Vitória se parece com qualquer cidade do mundo, apresentando-se anônima para sempre”.
. Com estas seqüências de frases, Amilton de Almeida prepara o incompleto encerramento de seu romance, quando, constata, surpreende-se que “nada mais há a ser dito”, pois logo aí perto dele e de nós, “a praça Costa Pereira se encontra deserta de pessoas”.
É no jardim da Costa Pereira que o poeta Valdo Motta também se contempla  imerso em suas palmas, quando as brisas passam leve, suavemente, como se ai jazesse, em um tempo  profundo e infinito, onde a felicidade poderia existir no seio da natureza, mesmo quando refeita em jardim.
Se o que eu fora jazesse
Sob a terra fresca e perfumada
Deste jardim público;
Se estas gramíneas e estas palmas lânguidas
Fossem filamentos clorofilados de mim
E em cujas artérias corresse o meu sangue,
A seiva rubra cambiada em verde;
E se nessa minha existência vegetal
Houvesse, ao menos de quando em vez,
Esta brisa que neste instante acaricia
As folhas longas e lassas,
Como se as ninasse para um sono
Profundo e infinito...
Se o que eu fora jazesse
Aqui diante de mim que estou imerso
Na contemplação das folhas embaladas 
Pela brisa suave que as perpassa, leve, suavemente...
Ah, eu tenho certeza que seria feliz!

Pois o que pode ser dito e vivido só o pode ser pelas pessoas que falam e fazem, em seus momentos delicados de amores e paixões, que, quando elas se vão, os homens e as suas emoções, tocadas pela brisa e pelo vento, as pessoas e os acontecimentos, tocados pelo tempo e suas mudanças, um deserto anônimo e igual a todos, se abate sobre a cidade e sobre a Praça Costa Pereira. Uma cidade, um jardim e uma praça que se assemelham, “ a tantas outras cidades e lugares como neste mágico instante” , onde nada pode ser mais dito, no instante em que o vento sopra e, quando, se atentos, podemos ouvir o som surdo do coração do mundo e contemplar a suas folhas embaladas pelo vento.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Felicidade2




Feliz o homem 
Cujo espirito esta’ sempre sereno
Sem temer a Fortuna e aceitando o Destino.

Virgilio
As Georgicas


Felicidade




Creiam-me, essa era feliz precedeu os arquitetos.
....
Vivia-se sem temor sob aqueles tetos rústicos
A taipa cobria os homens livres; sob o mármore e o ouro, habita a servidão

Seneca, carta XC