quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O esquecimento. pó e leveza.



Há um exercício de esquecimento permanente na maneira que as coisas vão se acabando lentamente, se desmanchando ponto a ponto nas cidades, em Vitória, deixando em pó e areia os objetos, as casas e os acontecimentos, que ao menor sopro do vento se dissolvem no ar e na maresia junto ao canal do porto. 
Seria insuportável manter vivo cada registro, acumulando-se em camadas, pousando suas marcas, a cada dia, a cada hora, sobre as fachadas e pisos, grudando-se à cada instante e outro e mais, imprimindo sem fim, nas pedras superpostas, tanta informação, que o risco do corte inicial desaparece soterrado sob esta massa de dados pegajosa e macia que ao apertar dos dedos deixa sujar as mãos de uma lama escura sem sentido e sem definição.
Bom as coisas que viram pó e leveza. Levemente desgrudam-se de seus suportes e volteiam pelos ares não se juntando a nada, não se agrupando em novas formas, deixando-se levar desgarradas até que nem o brilho do sol consiga mais captar as suas desaparições definitivas no final da tarde, quando as sombras ombreiam contra as montanhas e os sobrados da velha cidade.
2002/2013

POLÍTICA E MEMÓRIA


"Mamãe, as outras cidades têm uma lua tão grande como a nossa?" 
século  III

Isto é o político para o Ateniense: a política é fazer como se nada tivesse acontecido. Como se nada antes se tivesse produzido: nem o conflito, nem o assassinato, nem o ódio. O político e’ a promoção do esquecimento (lethe) como o fundamento da vida em cidade, tirando do ódio e da vingança o seu caráter eterno. 
Na impossibilidade de esquecer verdadeiramente, é preciso esquecer pelas palavras para impedir a memória dos males. O sujeito não se priva da memória, ele se proíbe lembrar o que é para esquecer. Para que haja laço possível, vínculo possível, vivência-com, a memória e’ proibida, nao deixada esquecida, mas deixada na espera, na guarda, no arquivo.
E aí está a delicadeza de uma concepção do social: o laço tênue que depende de uma forma de esquecimento.
Representado mais do que efetivamente consumado.