sábado, 7 de abril de 2012

Praça Costa Pereira 1959



“Esquecemos há muito tempo o ritual sob o qual foi edificada a casa de nossa vida, 
Quando, porém, ela está para ser assaltada e as bombas inimigas já atingem, que extenuadas, extravagantes antiguidades elas nos põem a nu ali nos fundamentos.”
Walter Benjamim 
Em algum momento da década de cinqüenta do século XX, a noite da Praça Costa Pereira foi iluminada com lâmpadas fluorescentes, assentadas em bifrontes pontas de lança sobre os postes de ferro, guardiões, como mostra e denuncia a foto única, em uma transformação urbana esquisita e singular. 
Mais que a modernidade, buscada em ânsia na exposição da nova tecnologia, é como que uma espada de luz viesse, em combate, tentar espantar os fantasmas, afastar os maus espíritos, os espectros que no escuro, teimassem em se manter no velho Largo da Conceição, reconfigurado, em geometria regularizadora, pela ação estatal. 
O quadrado instalado pelo arquiteto sobre o piso aterrado da cidade, junto ao alinhamento das avenidas do cais do porto retificado, - caminhos estimuladores ao novo e acelerado movimento -, foi uma das marcas simbólicas de mais uma refundação da antiga capital. Em seus paralelos flancos se estabeleceriam os templos da cultura e do comércio exportador do café, em seu interior se moverão, entre seus lados iguais, homens e mulheres, transitando olhares em paralelo com a linha do bonde elétrico que leva e trás, dos novos bairros balneários, os múltiplos moradores da cidade. A nova iluminação reitera o impulso colonial de possessão, busca, na continuidade intuída por administradores atentos, reforçar o desejo anterior, de vitalização da ocupação da zona central, neste momento já em início de esvaziamento. 
São duas formas montadas em superposição. O duro e rígido desenho enxertado sobre os fios emaranhados do novelo original das ruas e vielas do passado português e sobre ela a luz alva e pálida, segmentos fluorescentes, que, à noite, substituem, em céu e glória, o amarelo brilho dos antigos globos incandescentes. 
Dois momentos próximos. Vãs tentativas, ambos, de tentar salvar a cidade, porventura, condenada, de conter em um centro, contenedor vital, a expansão sem norte para suas beiradas e periferias, desviado definitivamente seu futuro do umbigo original. Acesas as brancas luzes sobre o polígono instaurador, acredita-se em novas esperanças, de registro, de compartilhar em terra e ar, do local do começo e de seu fim; supõe-se a vontade e a certeza de suprimir, para sempre, as sombras primevas recalcitrantes, espera-se conter em sua unidade reinventada o caminho e o risco elementar. 
Estranho acaso ou maldição. Alguns anos depois, um outro artista, Maurício Salgueiro, esculpe, impõe em seu centro de praça, sobre um pequeno lago, uma escultura - A mãe-, aglomerado de metal suspenso em cordão umbilical, como explícita homenagem ou documento distraído ao esforço germinal, original, desperdiçado, desagregado pela cidade estilhaçada. 
Hoje, sentados em seus bancos, longos e curvos bancos em sombras, sob suas grandes e frescas árvores, perdidos os nomes e as citações primitivas, nós filhos solitários do presente, aguardamos, pacientes, o tempo desfiar e contar, aos mais curiosos observadores, as suas perdas e ilusões. Espiamos, nostálgicos, ciosos, estas estranhas e líricas obsessões, desmanchando-se ao vento do mar, em pequenas gotas de chuvas de verão.
        

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