sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Possível Constelação

Nada em comum 
Graça, feliz ... Clarão demasiado humano para o ímpio 
Selvagem, empedernido, rugiente 
Bramido de um sol desnudo 
 Giuseppe Ungaretti 

 Qual o propósito da vida humana, deste jeito de se agregar em vilas e cidades, acumular edifícios, paredes e muralhas para conter os bárbaros inimigos? 
De que serve o acúmulo de bens, de honrarias e poderes, extravagantes adereços, inusitados brindes, múltiplas identidades e concentrados capitais? 
Guerras e posições disputam no dia a dia provisórios prazeres, recursos finitos, enfrentam medos, modas e gostos temporários, ilusões. 
Sujeitos ao plano divino, de queda e redenção, condenados ao desígnio da morte, à fragilidade dos afetos e sabores do mundo, fúteis motivos da sobrevivência, projetos de futuro acionam corpos e mentes, aguardam amores e salvação. 
Ao lado, a metrópole se desfalece em incompletos brilhos, em esforços vazios, em falas incompreensíveis, movimenta erráticos movimentos e sentidos dispersos. 
Será só isto, o cochilo no ônibus, a cerveja quente, a árvore de Natal, o peru no forno, os papéis jogados no chão, esgotado o ano, outro se anuncia de forma igual? 
Além do horizonte, existe um lugar, onde somente acessam os navios e os sonhos, onde crianças e jovens movimentam seus desejos e esperanças. 
Uma cidade de cristal esmeralda, um caminho arco íris ao palácio, onde o mago aguarda a tropa de infelizes, incompletos e deficientes personagens. Ausências de falas e corações, são frágeis corpos, buscam agregar uma ordem possível, aos inimigos se opõem uma inventada tradição. Retorna o herói à casa, protege a joia, fecha as janelas e portas, acende as luzes, a missão cumprida, enfim. 
Mas, não há alimento comum e na chegada troféus não erguem foguetes e vivas, não conseguem derrotar a solidão e o desfazer do tempo. Cinzas se acumulam, na lareira, o fogo, faíscas e calor, não aproximam, não contém, não impressionam. Recém-chegados, nômades ocupam vazios lugares, incomodam, suas cores, cheiros e gritos, imaginam tambores vibrantes, ou deixam-se ficar abandonados em sujas calçadas, madrugadas frias e chuvas de dezembro. 
O que ordena, o que faz sentido, correspondências e afinidades, na quase metrópole, entre seus resíduos de fracassos e sucessos? 
Dois imediatos caminhos: recuperar a unidade perdida, imaginada religião ou desejos pagãos de sagradas tramas, que aproximam os diferentes opostos ou então buscar minerar dos solos e artifícios, as marcas originais das identidades negadas, os vestígios dos felizes anteriores. 
Dois caminhos opostos, divergentes ou encruzilhadas futuras? 
Na minha cidade, na colina, escuto `a noite, ruídos. Ruídos das inconstantes marés, dos bares jovens, do caminhão do lixo, os latidos de cachorros e de manhã, se atento, alguns pássaros e o sol acendendo o céu. Imagino que abertas as cortinas, milhares de janelas acordam expectativas. Trabalhos, viagens, ensino. Nos armários, convivem calças, saias e camisas, cores e fantasias, espreitam sofrimentos e alegrias, monótonas práticas e inúteis gestos. 
Como uma essência “a ser lembrada com nostalgia ou um destino prefigurado”, escreve Roberto Esposito, o nosso comum, (para comunitarismos e comunismos), é descrito normalmente como “aquilo que une uma única identidade a propriedade- étnica, territorial, espiritual- de cada um dos seus membros”. Discorda o autor, a communitas partilha “não uma propriedade ou um pertencimento” Para ele, “não é ter, mas ao contrário, um débito, um penhor, um dom a ser dado. É aquilo que está por vir a ser, e virtualmente já e’ uma falta”, que constitui o impróprio comum. 
Conclui Esposito, “o comum não é caracterizado pelo próprio, mas pelo improprio, ou mais drasticamente, pelo outro”, forçando o sujeito a escapar de si mesmo. Ao entrar em contato com aquilo que é, “a mais arriscada das ameaças”, o sujeito se expõe ao conflito com o vizinho,”`a perda dos limites, que conferem identidade e asseguram sua subsistência”. 
Unidos pela fortuna, pela sorte ou acaso, pelo medo do outro, faz Hobbes ler no fundo obscuro da comunidade, “dentro de si um dom da morte” . Kleber Frizzera Dezembro 2022

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