“Aqui tudo é exposto
Evidente
cintilante.
Aqui
obrigam-me
a nascer de novo, desarmado. “
Carlos
Drummond de Andrade
Na obra de Marcel Proust a poética do
esquecimento e’ ao mesmo tempo uma poética da lembrança, uma poética de lembrar
surgida do fundo de esquecer. Assim
sempre e’ preciso uma “ dosagem
exata de memória e esquecimento” para que a pessoa tenha o dom da
lembrança, para que se arme, se estruture uma memória poética.
Mas, “ Só
quando o esquecimento perdurou um tempo suficiente e se tornou bastante
profundo, a memória involuntária pode agir e trazer fundo desse abismo do esquecimento, sem o controle de parte
da razão e da forca da vontade,…(re) fazendo um processo que se origina “
Da memória banal voluntária pelo esquecimento profundo e duradouro ate a
memória poética involuntária…, se transformando como o novo e para a
constituição de “ uma faculdade que serve
muito bem `a vida.”
A memória poética,“ Ela cura dos medos do tempo e da morte e traz felicidade aos seres
humanos que a ela se confiam.”
Seremos assim capazes de nos reconciliar, com
o todo, com o não dito, com o perdido paraíso, onde segundo Dante :
A partir de agora minha visão era ainda maior
Do
que nossa linguagem que não estava `a altura,
E a
memória cede lugar ao inaudito.
Onde abandonado o esquecimento, abandonadas a
escravidão e a dor, possamos nos reencontrar com a aliança e com o acordo
original com a divindade:
Será, pois, que, quando o SENHOR teu Deus te
tiver dado repouso de todos os teus inimigos em redor, na terra que o SENHOR
teu Deus te dá por herança, para possuí-la, ......; não te esqueças.
Não esqueças
o Senhor que te tirou do Egito, da escravidão.
DEUT 25, 19
Neste momento, possamos cumprir dever maior
da memória, de ao lembrar fazer justiça, testemunhar para o que foram calados,
cujas historias foram esquecidas, enterradas as suas ruínas e eventos, pois
segundo Aristóteles:
“O
dever da memória e da herança e’ o dever de fazer justiça, pela lembrança, a um
outro que não a si.”
Somos devedores aos que nos precederam, uma
divida que não se limita a guarda e preservação dos seus rastros e partes
sobreviventes, do duro material ou ao leve escrito, mas a um sentimento de
dever aos outros, de submeter a herança a um inventario, com uma prioridade moral
`as vitimas, outras que não foram no’s.
Na Lisboa de Fernando Pessoa:
Fica
só, sem mim, que esqueci porque durmo,
Lisboa
com suas casas
De
várias cores.
e na triste mas esperançosa poesia de Cesário
Verde:
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer
E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de
montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés de fel como um sinistro mar!
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