segunda-feira, 7 de março de 2011

“E qual é a medida dos meus dias?” salmo 38,5



Em uma cidade de Vitoria de tantos fracassos e projetos abortados em seus 460 anos de história provinciana, registradas em suas ruínas e nas falas de seus fantasmas, mais um futuro incerto se apresenta, agora de feito virtual, na sua articulação global, submetido às ordens do capital e das lógicas do mercado.


Poderemos superar este destino e nesta oposição cidade/mundo, vazadas as barreiras e fronteiras às imateriais e instantâneas ações e pensamentos, acelerados os movimentos dos corpos, bens e informação, e propor e viver a alegria e o prazer da finitude humana?
Começarei por um texto anotado ao acaso:
Estes dias não tem um ser verdadeiro;
Eles vão quase antes de chegar;
E quando vem, não podem continuar;
Comprimem-se uns contra os outros, seguem uns aos outros e não são capazes de interromper o próprio curso.
Do passado, nada é reconvocado;
O que é esperado é algo que há de passar novamente;
Ainda não é possuído, enquanto não tiver chegado;
Não pode ser capturado, depois que chega.
Este texto, que poderia ser tão atual, diante dos tempos que vivemos, é de Santo Agostinho, em Cidade dos Homens, quando se pronuncia diante do mundo antigo em transformação, de um império romano em colapso, no século IV:
Pergunta, como o salmista em Salmo 38,5:
 “E qual é a medida dos meus dias?”
E completa, na sua fé e esperança cristã:
“Eu anseio, por esse È que fica na Jerusalém, onde não haverá morte, onde não haverá fracasso, onde o dia não há de passar, um dia que não é precedido de um ontem, nem expulso por um amanhã.
Essa medida dos meus dias, o que é, digo eu, revela-te a mim.”
O desejo e’ da unidade, impossível, mas que precisa ser desejado como possibilidade na presença de um mundo em dissolução, onde nada é reconvocado, nada é possuído, onde a violência é o horizonte temporal da errancia, que aceita que uma promessa não se cumpra, um programa não se execute, como um movimento puro, uma fraternidade sem destino.
Violência, ausência, errância.
O poeta Paul Celan nos aponta uma potência:
Escrita estreita entre muros
Impraticável verdadeira
Esta
Ascensão e volta
No futuro claro coração.
Há um caminho, uma senda estreita entre muros, mas verdadeiro que seja, é impraticável, mas pensável.
Ali, nesta limitada passagem, onde valia a violência, sem destino ou fins, aparece, no limiar, a diferença mínima do alento do outro. 
Mas como fazer nossa esta alteridade?
A dificuldade primeira é que não existe um caminho já explorado, nada pré existe, nada antecipa esta tentativa, estamos sozinhos “diante do não navegado”, onde é preciso empreender a “ascensão e a volta”, que requer a voz e a presença do outro.
Este é o desafio.
Atuar no risco do movimento incessante, onde as posições se adquirem e se estabelecem, instáveis, através da circulação, dos bens, da informação e das pessoas, em um incessante conflito com o que se estabelece nos lugares pela transformação da matéria bruta pelo trabalho humano.
Atuar no risco da ação que se define, se altera se (re) conceitua no processo permanente de negociação coletiva, na feitura dos projetos, no desenho e na execução dos caminhos sem fins. 
Atuar no risco dos conflitos, na mobilidade dos acontecimentos, na diferença, no estar juntos e separados, espacialmente e socialmente, na disputa da riqueza material e simbólica, dos espaços e sítios. 
Atuar principalmente no tempo, para salvar o efêmero e o instante, contra o que tudo dissolve, contra o que tudo interrompe, contra o que tudo escapa e se desmancha no ar, por entre os ventos e brisas. 
Encerra Celan;
Do visível, do audível, a
Palavra tenda 
Que se libera:
Juntos.

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